Revista Poder

TARCÍSIO MEIRA, O PROTAGONISTA DA TV

Tarcísio Meira / Crédito: André Giorgi

A história de Tarcísio Meira se confunde com a da própria televisão brasileira. Com 79 anos de idade e 54 novelas no currículo, ele agora enfrenta um dos maiores desafios de sua carreira: viver Rei Lear nos palcos

Por Márcia Rocha e Caroline Mendes
Fotos André Giorgi

Se a trajetória da televisão no Brasil virasse  novela,  Tarcísio  Meira,  sem  dúvida,  seria  um  dos  personagens  principais.  Isso  porque  ele  foi,  de  fato,  o protagonista  da  primeira  telenovela diária, 2-5499 Ocupado,  exibida  pela Excelsior  em  1963.  “No  começo,  era tudo  muito  precário,  não  havia  essa estrutura toda que existe hoje”, conta o ator, que completa 80 anos mês que vem. “A maioria das novelas tinha um núcleo  só.  Nada  de  elenco  com  150 atores como se vê agora.” Uma das histórias de que ele se lembra dando boas risadas  é  a  de  quando  teve  de  “tourear” em uma “arena” lotada de “espectadores”.  A  novela  era Sangue e Areia, exibida  pela  Rede  Globo  em  1968,  e  o que  Tarcísio  “toureava”  era  um  guidão de bicicleta no terraço da emissora, que estava cheio de figurantes. “Eu fazia  caras  e  bocas  como  se  um  touro estivesse  realmente  me  ameaçando  a vida”,  ri.  “Tinha  de  ter  muita  cara  de pau…  E  as  pessoas  acreditavam.  Isso era o mais bacana!”

Anos antes, na TV Tupi, para viver o  romano  Marco  Antônio  em  uma adaptação  da  epopeia  de  Cleópatra, Tarcísio  teve  de  trabalhar  em  condições  igualmente  precárias  e  usou  de muita  imaginação  para  encarnar  seu personagem.   “Lembro   de   uma   cena  de  batalha  em  que  me  colocaram com  uma  espada  de  madeira  na  mão e   um   capacete   que   era   duas   vezes maior que minha cabeça”, ri mais um pouco.  “Naquele  momento,  pensei: ‘Será que é isso mesmo o que eu quero fazer da minha vida’.”

OBRA DO ACASO

Nascido  e  criado  na  capital  paulista,   Tarcísio   de   Magalhães   Sobrinho   queria   ser   diplomata.   Chegou a  prestar  a  prova,  mas  não  passou. “Eu    não    tinha    me    preparado,    fiz meio   no   sufoco…   Nunca   fui   bom aluno”,    admite.    Quando    surgiu    a oportunidade   de   fazer   teatro   amador,   em   1957,   ele   topou,   mas   sem acreditar que poderia seguir carreira. Deu  tão  certo  que,  dois  anos  depois, foi convidado por Sérgio Cardoso para trabalhar profissionalmente em O Soldado Tanaka. Não parou mais. “As coisas  foram  simplesmente  acontecendo.   Nunca   estudei   nem   li   nada sobre a profissão. Se aprendi alguma coisa,   foi   fazendo”,   diz,   admitindo que gostaria de ter uma formação, digamos, mais teórica.

Logo,  o  nome  e  o  rosto  de  Tarcísio Meira estavam nas telinhas, chegando aos “rincões mais distantes do Brasil”, nas palavras dele. Aliás, na opinião do ator, o maior mérito das telenovelas é justamente o de levar entretenimento para quem só conhecia teatro de circo e radioteatro  –  ou  nem  isso.  “Elas  foram  um  elemento  de  agregação  e  de formação  de  uma  identidade  nacional.  Imagine  o  país  inteiro  assistindo ao  mesmo  tempo,  discutindo  os  problemas  dos  personagens?  O  público era  sedento!”  E  como  o  telejornal  era exibido  entre  duas  novelas  –  estratégia utilizada até hoje –, as pessoas não desligavam   a   televisão   e   acabavam acompanhando também as notícias.

“A MAIORIA DAS NOVELAS TINHA UM NÚCLEO SÓ. NÃO TINHA NADA DE ELENCO COM 150 ATORES COMO SE VÊ AGORA”

Outro benefício das novelas apontado  por  Tarcísio  foi  o  aumento  de oportunidades   para   os   atores,   que muitas   vezes   trabalhavam   em   outras  áreas  além  da  televisão  e  do  teatro  para  conseguir  pagar  as  contas. “Quando  estreei  nos  palcos,  era  um ilustre  desconhecido,  só  era  ‘famoso’  para  uma  plateia  muito  diminuta  que  tinha  dinheiro  para  ir  ao  teatro. Com a chegada das novelas, o artista brasileiro  descobriu  o  povo  brasileiro e vice-versa”, afirma, dando como exemplo   o   sucesso   de Irmãos  Coragem,  exibida  pela  Rede  Globo  em 1970.  Além  de  ter  sido  um  turning-point na carreira de Tarcísio, a novela foi a primeira a fazer sucesso entre os  homens, quebrando  o  estigma  de que o gênero era coisa de dona de casa. “Era uma novela de aventura, por isso fez tanto sucesso.”

DO PALCO AO PALCO

Depois  de  quase  60  anos  praticamente  só  de  televisão  e  mais  de  duas décadas longe dos palcos, Tarcísio acaba de estrear a peça O Camareiro, dirigida por Ulysses Cruz, em que dá vida  a  um  ator  mais  velho,  que,  apesar da saúde debilitada e de mal conseguir decorar suas falas, aceita viver o  personagem   shakespeariano  Rei Lear  no  teatro.  Para  atravessar  a  crise pessoal e profissional, o ator faz de um camareiro seu confidente. “Não é um  personagem  qualquer,  é  um  personagem   shakespeariano,   que   tem um  volume,  um  arcabouço  diferente do  meu.  Estou  acostumado  a  trabalhar  com  televisão,  com  intimidade, olho  no  olho,  e  esse  é  um  personagem  cheio  de  teatralidade.  É  muito cansativo  e  o  frio  na  barriga  é  imenso”, confessa.

“AS NOVELAS FORAM UM ELEMENTO DE AGREGAÇÃO E DE FORMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL. IMAGINE O PAÍS INTEIRO ASSISTINDO AO MESMO TEMPO E, DEPOIS, DISCUTINDO OS PROBLEMAS DOS PERSONAGENS”

Em cartaz com O Camareiro até dezembro, Tarcísio pretende, assim que terminar  a  temporada,  descansar  em sua   fazenda   no   interior   do   Paraná, para onde foge sempre que pode.  Esse,  aliás,  é  seu  único  “luxo”.  “Sou  um homem  simples,  não  ligo  para  nada. E  como  trabalho  com  ficção,  procuro coisas  reais,  verdadeiras,  mais  próximas  da  natureza  para  descansar  a  cabeça. Então, vou para o mato.” Depois de Shakespeare, haja mato!

Matéria publicada em setembro de 2015*

Make: Jô Castro (Capa MGT)
Agradecimentos: Teatro Porto Seguro

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