Por Anderson Antunes
Uma vez, lá atrás no tempo, me deparei escrevendo algo que me surpreendeu, que parecia alheio a mim. Recordava, nesse momento, de um inverno rigoroso em Roma, em janeiro de 2009. Enquanto me deixava encantar pela Fontana di Trevi, um sopro gelado me fez buscar abrigo numa Zara próxima. Ali, adquiri uma echarpe de linho – quente o suficiente para afastar o frio, e discreta o bastante para não atrair olhares indesejados. Esse momento evocou em mim uma escrita quase mística:
Na brisa do mar, um marinheiro experimentado torcia a corda entre seus dedos calejados. O Nó do Fiel, um elo ancestral entre o homem e o oceano, nascia de movimentos hábeis. Chamado “do Fiel” por sua lealdade em segurar firmemente, ancorava sonhos e esperanças na vastidão azul. Era a promessa do marinheiro à embarcação, um juramento silencioso de proteção. Mas o mar, com sua cruel ironia, às vezes fazia o nó ceder, como um coração traído, se desmanchando tão facilmente quanto manteiga ao sol escaldante.
Em um porto esquecido pelo tempo, um outro velho marinheiro, cuja pele lembrava o couro curtido pelo sal e pelo sol, se preparava para uma nova jornada. Entre seus dedos ágeis e calejados, a corda dançava, formando o mesmo Nó do Fiel de seu colega imaginado anterior. Era, para ambos, um ritual, uma tradição passada de geração em geração, um símbolo de respeito entre o homem e a imensidão do oceano. Diziam que esse nó, com sua firmeza e lealdade, tinha o poder de ancorar sonhos e enfrentar tempestades.
Mas, no grande teatro do oceano, a ironia frequentemente se apresentava. Pois mesmo o mais firme dos nós, feito com precisão e carinho, poderia, em um momento inesperado, se soltar, derretendo como manteiga sob o olhar impiedoso do sol, mais fraco que couro curtido. Era um lembrete, uma lição da natureza sobre a
fragilidade da confiança e da promessa humana.
No horizonte distante, o mar e o céu se fundiam em uma única linha azul, quase indistinta. Para muitos, essa linha representava o desconhecido, o lugar onde os sonhos se desvaneciam e as esperanças se perdiam. Mas para os marinheiros, essa linha era o lar, o lugar onde seus destinos eram traçados e reescritos com cada novo amanhecer.
As histórias dos marinheiros são contadas nas cordas que eles torcem e nos nós que eles fazem. Cada nó carrega em si uma promessa, uma intenção. O Nó do Fiel, em particular, carrega a mais profunda das promessas: a de lealdade e devoção inabaláveis, mesmo diante das tempestades mais brutais. Mas assim como o mar, a vida dos marinheiros é repleta de ironias.
Um nó, apesar de toda sua firmeza, pode ceder diante da pressão. Uma promessa, mesmo que feita com a mais sincera das intenções, pode se desvanecer com o tempo. E às vezes, a mais meticulosa das preparações pode não ser suficiente para prever o imprevisível.
Naquela noite fatídica, ao olhar para a vastidão do oceano sob o céu estrelado, o marinheiro pensou sobre sua vida e as escolhas que fez. Ele pensou no Nó do Fiel que preparou, na promessa que fez a si mesmo. E, no silêncio da noite, ele se perguntou: “Por quê, apesar de tudo, o nó se desfez?”
A resposta, talvez, esteja nas próprias ondas do mar, que vêm e vão, nos lembrando da impermanência da vida e da constante mudança. Ou talvez na brisa que acaricia o rosto, trazendo consigo histórias de lugares distantes e tempos esquecidos.
Sossegai: Mares revoltos
E enquanto aquele vento sutil e frio da Cidade Eterna tocava meu rosto naquele dia de inverno, aquecendo meu coração, era como se ele carregasse consigo sussurros do mar e histórias de marinheiros de eras passadas. Aquele dia em Roma, salvo por uma echarpe, foi um dos mais felizes da minha vida.
Talvez tenha sido essa mesma brisa que, em outro momento e lugar, sussurrou ao ouvido do marinheiro, o lembrando da fragilidade das promessas, mesmo aquelas meticulosamente atadas.
No final, são os pequenos salvamentos que nos ancoram à vida, nos mantendo à tona em mares inesperados. Fiéis – a nós mesmos. || A.A.
Em algum lugar, entre o certo e o errado, há um jardim. Eu te encontrarei nele. ~ RUMI