Nos áudios, Busato insiste que o pagamento deve acontecer na mesma data
O deputado federal Luiz Carlos Busato (União-RS), que já foi prefeito de Canoas, uma cidade da região metropolitana de Porto Alegre, está sendo mencionado em uma delação que o acusa de ter recebido propina em contratos na área da saúde durante seu mandato (2017-2020).
Os áudios que foram apresentados como parte da delação são de um médico que liderava uma organização social prestadora de serviços de saúde para a prefeitura. Nesses registros, o ex-prefeito discute valores, expressa insatisfação com atrasos nos pagamentos e pressiona o médico. Em uma das gravações, ele reclama com o médico após um aumento nos repasses à organização social GAMP (Grupo de Apoio à Medicina Preventiva). “Bom, então se estamos aumentando R$ 4 milhões, R$ 5 milhões, acho que tem condições de o GAMP pegar uma parte e acertar conosco”.
Exigências
Ele também insiste que o pagamento deve ocorrer sempre na mesma data. “(…) Isso é religioso. Não vai mais ter problema daqui pra frente, ok? Seja 700, 800, é o do mês. Depende do quanto entrar. 15 dias após fechar o mês. Combinado é combinado”. Busato critica uma proposta de parcelamento dos pagamentos atrasados, alegando que isso criaria uma “bola de neve”: “(…) Cássio se comprometeu a, de agora em diante, pagar o do mês, não vai deixar atrasar o do mês, senão esse troço vira uma bola de neve (…) e propôs pagar em 30 parcelas, em 30 meses. 30 meses não tem como, Cássio”.
Além disso, ele expressa preocupação com interrupções nos pagamentos: “O que me interessa é o nosso acordo. (…) não podemos ficar indefinidamente na esperança de ‘ah, agora tem a Polícia Federal, tem, não sei o que que vai acontecer (…) Porra, se nós já fizemos um esforço de aumentar de 16,5 (milhões) para 21 (milhões)”, desabafa. Além disso, Busato afirma que não pode ficar um ano sem receber “a cada peido da Polícia Federal”.
Cássio Souto dos Santos, o médico mencionado, liderava o GAMP e foi preso preventivamente em 2018 em uma operação relacionada a desvios na saúde de Canoas. Em 2020, ele fechou um acordo de delação premiada e entregou os áudios aos investigadores. Os áudios em que a voz de Busato aparece foram gravados por Cássio durante encontros com o ex-prefeito, enquanto o esquema estava em operação.
Procurado pelo UOL, Busato refutou a autenticidade dos áudios e declarou que não cometeu irregularidades. “Desconheço o assunto mencionado e nunca fui notificado sobre o tema em questão. Além disso, reitero que os áudios que estão circulando não são verdadeiros”.
Prejuízo de R$ 22 milhões
Busato foi prefeito de 2017 a 2020. Em 2018, o MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) detectou superfaturamento nos contratos da saúde do município com o GAMP, que recebia mais de R$ 10 milhões mensais para diversas operações na área de saúde. Entretanto, em dezembro de 2018, três pessoas ligadas ao GAMP, incluindo Souto dos Santos, foram presas, suspeitas de peculato e lavagem de dinheiro. O prejuízo estimado pelos promotores foi de R$ 22,8 milhões.
Após isso, o MPF (Ministério Público Federal) assumiu a investigação, uma vez que verbas federais estavam envolvidas nos contratos. A delação de Cássio foi feita na PGR (Procuradoria-Geral da República), uma vez que envolvia um político com foro em Brasília. Um dos áudios faz menção ao atual presidente do TCE-RS (Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul), Marcos Peixoto, e ao conselheiro Alexandre Postal.
O delator afirmou que Busato teria pressionado o GAMP a contratar a empresa de seu filho, Gustavo Peixoto, a P&B Engenharia, para realizar reformas em um hospital, resultando em um contrato de R$ 1,8 milhão em agosto de 2017. A delação foi homologada pela ministra Nancy Andrighi, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em 2022, e levou à abertura de 46 inquéritos, sendo 17 transformados em ações penais, abrangendo políticos e empresários.
Propina
Conforme a delação, uma taxa de propina de 3,5% seria aplicada nos contratos do GAMP, com o ex-prefeito recebendo 50% desse montante; Germano Dalla Valentina, seu chefe de gabinete na época, ficaria com 30%, e os restantes 20% seriam distribuídos entre outros funcionários da prefeitura.
Germano, através de seu advogado, afirmou que sempre atuou na legalidade e nunca recebeu valores ilícitos, descrevendo as acusações como “totalmente descabidas”. Ele afirmou que trabalhou com integridade em sua posição na prefeitura. Os conselheiros do TCE-RS, Marcos Peixoto e Alexandre Postal, não responderam ao contato da assessoria do tribunal sobre o assunto.
Conteúdo dos áudios
Souto dos Santos entregou à PGR dois áudios com conversas datadas de 2018, enquanto o GAMP prestava serviços à prefeitura. Em um deles, Busato solicita a retomada dos pagamentos ao núcleo do esquema, afirmando que, ao aumentar o contrato, seria necessário “pegar uma parte e acertar conosco”.
“Eu quero que o GAMP cumpra o compromisso conosco. Aumentamos de R$ 16,5 milhões pra R$ 20 milhões? Bom, então se estamos aumentando R$ 4 milhões, R$ 5 milhões, acho que tem condições de o GAMP pegar uma parte e acertar conosco. Ficou acertado isso que estou te falando aqui, na boa. E toca o barco”.
Entretanto, Cássio menciona dívidas a serem pagas, mas o prefeito enfatiza que o acerto entre eles é a prioridade. “Tu tá falando em pagar dívida. Não foi isso que eu acertei com o Germano (Dalla Valentina), não foi isso que eu mandei acertar com vocês”. “Eu autorizei aumentar para que vocês tivessem um fôlego, parasse o problema, porque o que atinge vocês atinge nós. Nós somos parceiros, somos dois irmãos siameses. Os caras te cravam um prego no ombro, dói em mim também no meu”.
O ex-prefeito prossegue sobre o assunto. “O que o Xaxá (Alexandre Bittencourt, seu secretário) e o Germano vieram me trazer: o Cássio se comprometeu a, de agora em diante, pagar o do mês, não vai deixar atrasar o do mês, senão esse troço vira uma bola de neve (…) e propôs pagar em 30 parcelas, em 30 meses. 30 meses não tem como, Cássio”.
Retirada do dinheiro
De acordo com a UOL, ele mencionou dificuldades em retirar o dinheiro e reclama da situação. “Tem problemas, ‘como é que eu retiro o dinheiro’, não sei quê. Não sei. Tem que achar uma maneira”, afirmando que o que havia combinado com Germano estava relacionado aos 21 milhões.
Souto dos Santos, em meio a operações contra desvios na saúde, relata que não conseguia garantir os valores acordados. “Eu não tenho condições de trazer pra você R$ 2 milhões por mês. Primeiro, pela dificuldade. Olha o que aconteceu em Guaíba (operação do MP-RS em 2018). Das sete empresas, a única que saiu ilesa fomos nós, e olha que grampearam mais de 40 pessoas”.
Na época das gravações, a greve dos caminhoneiros de 2018 complicou o transporte. Em outro áudio, Busato sugere que Souto dos Santos leve os valores de avião, se necessário. Germano também está presente na conversa. “O que me interessa é o nosso acordo. Eu sou parceiro, e acho que o Germano também, mas não podemos ficar indefinidamente na esperança de ‘ah, agora tem a Polícia Federal, tem não sei o que que vai acontecer.’ P*rra, se nós já fizemos um esforço de aumentar de 16,5 (milhões) para 21 (milhões)”, afirmou.
Além disso, Busato lamenta que não pode ficar um ano sem receber “a cada peido da Polícia Federal”. Cássio, por sua vez, sugere que os desvios ocorram “através de terceiros” ou “através de compras”, devido aos riscos de transportar dinheiro de outros estados. Rodrigo Busato, filho do deputado, é candidato a vice-prefeito de Canoas neste ano, concorrendo na chapa de Airton Souza (PL) contra Jairo Jorge (PSD).