Revista Poder

As ameaças da desinformação eleitoral na era da “dromocracia”

Artigo do conselheiro do Observatório da Democracia, Georghio Tomelin, aponta os desafios de uma sociedade marcada pelo dinamismo da era digital na preservação do processo eleitoral como um processo democrático.

José Cruz/Agência Brasil

A “verdade única” sobre narrativas não existe. Já a “mentira sobre fatos” existe, sim, e é muito frequente. As duas afirmações podem parecer contraditórias, sobretudo para aqueles que entendem que a verdade seria o oposto imediato da mentira. No entanto, verdades e mentiras precisam ser analisadas no contexto político, especialmente na era da pós-verdade.

Atualmente, estamos imersos em um sistema governado pela rapidez: um processo “dromocrático” transversal, no qual a velocidade digital permeia todos os setores do entendimento humano. O Observatório da Democracia da Advocacia-Geral da União (AGU), especialmente por meio de sua Comissão de Jurimetria, pretende analisar dados e impactos das “notícias falsas” sobre o resultado das eleições.

No sistema eleitoral brasileiro, informações incorretas sobre fatos políticos muitas vezes não podem ser desmentidas a tempo e acabam interferindo na escolha do eleitor. As notícias falsas se aproveitam da insegurança dos eleitores. Em política, eleitores frustrados tendem a ser aliciados por conteúdos maliciosos. O sistema eleitoral precisa garantir que o eleitor não seja enganado, especialmente quando está decidindo em quem votar.

Um exemplo simples ajuda a ilustrar: se o eleitor for “incorretamente informado”, nas vésperas do pleito, de que “seu candidato seria um criminoso ou de que não pode mais ser eleito por algum fator”, ele poderá reverter seu voto em favor de outro político. Após o pleito, será tarde demais para reverter os efeitos da enganação.

Notícias falsas durante o processo eleitoral podem distorcer o resultado do pleito, pois afetam a formação livre da vontade popular. A velocidade com que as redes sociais espalham versões mirabolantes compromete a liberdade de expressão. Somos governados pela velocidade, daí o conceito de “dromocracia” (“dromos”, em grego, significa rua, estrada, corrida, percurso e até caminho da agilidade).

A “dromologia” estuda esse caminho ou atalho mais rápido. A “dromocracia” discute os mecanismos para uma gestão atenta aos meios digitais em tempos de democracia veloz. Quem decide rápido pode acabar decidindo mal, pois uma tomada de decisão consciente requer tempo para a seleção de premissas.

É inegável que as fake news podem afetar diretamente o resultado de uma eleição, pois atentam contra a liberdade de expressão, que é o preceito básico para a boa informação no Estado Democrático de Direito. “Notícias falsas” sufocam o real debate de ideias políticas: quem pensa diferente não terá o espaço necessário para se expressar.

A “cidadania ativa” só se implementa pela discussão dos problemas sociais concretos, e não por factoides ou fantasmas eleitorais. As relações políticas francas envolvem a seleção livre dos problemas e projetos públicos mais relevantes. Para isso, o processo eleitoral deve ser livre e transparente. A liberdade de expressão não pode ser restringida pela disseminação de “notícias falsas”.

Nas eleições, o cidadão vota no candidato que mais se assemelha à sua visão de mundo. A cabine de votação precisa garantir a manifestação pura da vontade popular. Manchar candidatos com incorreções sobre fatos pode alterar suas chances reais de eleição.

Somente informações completas, positivas ou negativas, podem formar um eleitorado instruído para escolher livremente seus governantes. A propaganda visa disseminar ideias, influenciar pessoas e conquistar a adesão do eleitor. É um processo válido, desde que limitado ao “fair play eleitoral”.

É por meio da propaganda que os eleitores formam seus julgamentos sobre os postulantes a cargos eletivos. A política é acúmulo de forças, e não a arte de agradar. Entretanto, a escolha individual pode se basear em preferências e afinidades pessoais, o que é legítimo.

A liberdade do eleitor para gostar ou não de alguém, no entanto, não legitima práticas de difamação ou calúnia contra adversários. A ausência de uma “verdade única” sobre narrativas políticas não autoriza ninguém a falsificar fatos sobre os candidatos.

As redes sociais são um terreno fértil para que a “mentira sobre fatos” se espalhe rapidamente e seja amplificada. Durante as campanhas eleitorais, acusações fictícias não podem ser usadas para enfraquecer alguns candidatos e fabricar o sucesso artificial de outros. A ampliação do acesso tecnológico, portanto, pode representar uma ameaça ao processo eleitoral.

As fake news são a base da desinformação eleitoral em uma sociedade com pouca educação política. O controle de sua disseminação não pode depender apenas do Poder Judiciário. Mecanismos sociais de controle e verificação precisam ser implementados.

O direito eleitoral possui dispositivos que combatem as informações inverídicas, reforçados pelo direito de resposta, pela vedação ao anonimato e pela garantia constitucional da liberdade de expressão.

Debates políticos amplos, críticas sérias e a pluralidade de ideias precisam prevalecer nas eleições. Distorcer fatos, sem tempo para contestação, é desinformação intencional que enfraquece a democracia.

O Observatório da Democracia da AGU considera o tema de extrema relevância e pretende incentivar a reflexão de todos para que os mecanismos jurídicos e sociais de controle possam ser aprimorados. Na era da política pós-factual, estamos imersos na pós-verdade. Se as “pré-mentiras” dominarem a cena política, nossos eleitores não terão como se defender.

 

Fonte: Gov.br

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