Revista Poder

Doação de órgãos e tecidos é tema de mais uma edição do Me Conta, Brasil

Especialistas do Ministério da Saúde e pessoas que passaram pelo processo na família explicam como funciona o sistema, que no Brasil é 90% feito pelo SUS

Só no primeiro semestre deste ano, houve 14 mil cirurgias de transplantes no Brasil, um recorde. Especialistas do Ministério da Saúde detalham como funciona todo o processo.

O Setembro Verde é o mês da conscientização e de engajamento para as doações de órgãos e tecidos, escolha que pode salvar vidas e oferecer mais qualidade de vida aos receptores. Para qualificar as informações em torno do tema, o 27° episódio do videocast “Me Conta, Brasil” – já disponível nas redes sociais e no canal da Secom no YouTube – conversa com duas especialistas do Ministério da Saúde (MS): a coordenadora-geral do Sistema Nacional de Transplantes, Patrícia Freire, e a coordenadora da Atenção Especializada, Carmen Santos.

No Brasil, quase 90% dos transplantes são feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a custo zero para o paciente. Só no primeiro semestre deste ano, houve 14 mil cirurgias, um recorde. São pessoas que têm uma segunda chance de viver ou de superar um problema crônico que causa dor, impõe limitações e traz medo e ansiedade.

Gente que pode agradecer a oportunidade, como o presidente do Instituto Brasileiro de Transplantados, Robério Melo, de 60 anos. Há 8, ele recebeu um novo fígado, transplantado pelo SUS. “Sem o SUS, eu não teria feito o meu transplante e não estaria vivo aqui, hoje, fazendo esse depoimento”, emociona-se.

COMO FUNCIONA – Atualmente, há cerca de 44 mil pessoas no Brasil aguardando um órgão. Carmen Santos, coordenadora da Atenção Especializada do Ministério de Saúde, explica que se trata de uma lista única, gerenciada pelo Sistema Nacional de Transplantes.

“O paciente (não importa se é SUS ou se tem plano de saúde), quando é inscrito na lista, recebe um número, chamado de RGCT, que o identifica na lista. Por esse número, ele pode entrar no sistema, que faz o cruzamento dos dados dos doadores com os receptores, e aí ele acompanha a posição na lista todos os dias”, explica.

ORDEM DINÂMICA – O lugar nessa fila não respeita só a ordem de chegada. Ela é dinâmica e depende de alguns fatores para que um paciente seja contemplado antes que outro, como a gravidade do caso ou a compatibilidade sanguínea, por exemplo.

“Por exemplo, na necessidade de um coração, fígado ou pulmão, muitas vezes, não é possível que a pessoa aguarde tanto tempo. Ela precisa rapidamente de um transplante. Existe uma condição chamada de hepatite fulminante. A pessoa com essa condição precisa transplantar em 48 horas. Então, não pode esperar apenas o critério cronológico ou, infelizmente, vai a óbito. Essa é uma das questões que a priorizam na fila de transplante de fígado”, explica Patrícia Freire.

A localização geográfica do doador e do receptor é outro fator que define quem recebe o órgão ou o tecido, porque em alguns casos não há tempo hábil para se enfrentar longas distâncias. “Alguns órgãos têm um tempo muito curto de isquemia, que é o tempo que o órgão consegue ficar sem a circulação sanguínea, como é o caso do coração e dos pulmões. Por isso, os doadores são distribuídos regionalmente, para que a gente consiga vencer as barreiras geográficas e atender as listas de espera de acordo com o tempo que o órgão consegue ficar sem sangue”, acrescenta a especialista.

COMO DOAR – Há duas formas de doação. “Nós temos os doadores em vida, que podem ser parentes até quarto grau de parentesco ou cônjuges, que podem doar um rim, um lóbulo do pulmão, que são coisas que podem ser doadas em vida. E nós temos as doações de pessoas falecidas, mas a família tem que autorizar. É importante falar que nem sempre todos os órgãos estão aptos a serem retirados para doação”, explica Carmen Santos.

É importante que se converse sobre o assunto, que se fale e deixe registrado o desejo. Hoje, existe uma iniciativa importante junto ao Conselho Nacional de Justiça, onde você pode deixar registrado que quer se tornar um doador após a morte, mas, no fim das contas, quem autoriza é a sua família”

Patrícia Freire, coordenadora-geral do Sistema Nacional de Transplantes

Luana Barbosa foi diagnosticada em 2021 com insuficiência renal crônica. Depois de seis meses fazendo hemodiálise, precisou de um transplante renal de doador vivo.  “A minha mãe foi a doadora. Graças a esse ato de coragem e de amor, pude renascer para a vida. Então, o transplante, para mim, é sinônimo de recomeço. Significa uma nova oportunidade de abraçar a vida com mais intensidade”, define.

No caso de um doador falecido, a família autoriza o transplante. Por isso, uma recomendação que Patrícia Freire, coordenadora-geral da Atenção Especializada do Ministério da Saúde, faz a todas as pessoas que quiserem ser parte desse círculo de generosidade é conversar abertamente com os familiares, filhos, cônjuges sobre a vontade de ser doador em caso de morte.

 

SALVANDO VIDAS – Mesmo considerado uma referência no mundo quando o assunto é transplantes, cerca de 3 mil pessoas ainda morrem, todos os anos no Brasil, esperando um novo órgão. A falta de informação sobre o tema, alguns mitos que rondam o assunto, questões culturais e até mesmo a não manifestação desse desejo por parte do doador quando vivo são alguns dos entraves para que mais famílias doem os órgãos de seus familiares.

REQUISITOS – Para ser doador, a pessoa não pode ter doenças transmissíveis e nem comorbidades como, por exemplo, câncer em atividade, tuberculose em atividade, sepse, que é a infecção generalizada, descontrolada e sem tratamento. Considerado apto e com o aval da família, podem ser retirados de um corpo coração, pulmão, ossos, pele, medula, córnea, fígado, rins e cartilagens, por exemplo.

Por isso, Elaine Gomes, incentiva a adesão à causa. Não fosse a solidariedade de uma família que sentia a dor de perder alguém, ela poderia não mais ter a chance de estar ao lado da sua. Hoje, ela tem 47 anos, e, em 2004, foi diagnosticada com a doença de Chagas. O coração dela padeceu até 2015, quando foi transplantada. Ela reconhece que, apesar de toda sua força e determinação em sobreviver, não fosse “o sim para a doação” que recebeu de desconhecidos, poderia não ter conseguido.

Foi desse renascimento que pude viver muitas coisas lindas, compartilhar momentos inesquecíveis com a minha família, me dedicar à causa da doação. Se você não conhece a causa, procure saber, porque uma vida salva até oito. Converse com a sua família. Só ela poderá fazer jus à sua vontade”

Elaine Gomes, que passou por um transplante de coração

 

QUALIFICAÇÃO – Com esse foco, o Ministério da Saúde tem investido na qualificação das equipes que abordam as famílias de um possível doador na hora da despedida, em um momento tão delicado, em que todos estão fragilizados. “Os hospitais devem ter equipes específicas, comissões internas que cuidam dessa abordagem para orientar, explicar, falar um pouco sobre como se dá esse processo. É importante dizer que é uma cirurgia comum, não há desfiguração do corpo da pessoa, porque tem muitas lendas sobre isso”, diz Carmen Santos, coordenadora da Atenção Especializada do MS.

Há ainda receios de a morte encefálica do paciente não ter sido corretamente atestada ou o risco de vendas de órgãos. Medos completamente infundados, segundo Patrícia. Primeiro porque o óbito de um paciente segue uma série de protocolos, além de ser validado por mais de um profissional.

Além disso, “as regras, as normas do sistema brasileiro têm uma série de medidas que impedem qualquer possibilidade de comercialização ou de exploração de vulnerabilidades. Uma doação de órgãos envolve uma série de pessoas. São mais de 30 envolvidas no processo de captação e transplante”, tranquiliza a enfermeira.

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