Revista Poder

Poder Saúde: Estudo descobre novas pistas de como o estresse crônico prejudica o intestino

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é um surto gastrointestinal relacionado ao estresse mental crônico e, agora, um novo estudo publicado no final de janeiro na Nature lança luz sobre o tema, mostrando a cascata de danos que começa na tensão mental e termina no intestino.

Embora afaste diversos alimentos da dieta, do feijão à maçã, a Síndrome do Intestino Irritável não tem como gatilho apenas o que está no prato: o estresse mental é apontado como uma matriz importante desse surto gastrointestinal. “Esse distúrbio na motilidade intestinal, sem associação com alterações de estruturas do trato digestório, geralmente se caracteriza por episódios de desconforto, dor e distensão abdominal, podendo estar acompanhados de diarreia e constipação. Diversos alimentos, principalmente os apontados como FODMAPs (Fermentable Oligosaccharides, Disaccharides, Monosaccharides and Polyols), uma sigla para designar carboidratos osmóticos, geralmente fibras, que podem ser de difícil digestão para algumas pessoas, funcionam como gatilhos, mas o estresse mental também tem relação”, explica a Dra. Deborah Beranger, endocrinologista, com pós-graduação em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (SCMRJ) e pós-graduação em Terapia Intensiva na Faculdade Redentor/AMIB. Agora, um estudo da revista Nature, publicado no final de janeiro, mostra com detalhes de que forma o estresse mental é o ponto de partida para surtos no intestino que causam desconforto.

Segundo a médica endocrinologista, o estresse desencadeia uma cascata bioquímica que remodela o microbioma intestinal. “O estresse é um gatilho importante, sua incidência tem aumentado muito atualmente, e doenças psiquiátricas como depressão e ansiedade também são relacionadas à síndrome. A explicação do estudo é que o estresse crônico ocorrido durante semanas reduz os níveis de células que protegem o intestino contra patógenos. Isso ocorre porque o metabolismo das células-tronco intestinais que normalmente se transformam nessas células protetoras estava com defeito”, explica a Dra. Deborah. O estudo expôs ratos ao estresse crônico para notar essas observações.

Ainda tentando decifrar mais a fundo, os investigadores recorreram ao microbioma para entender a cascata de danos do estresse. “A ativação do sistema nervoso simpático, responsável pela resposta de ‘luta ou fuga’ do corpo e frequentemente desencadeada pelo estresse mental, pode remodelar o microbioma. Algumas bactérias do gênero Lactobacillus, que ocorrem naturalmente no intestino e proliferam sob condições estressantes, produzem uma substância química chamada indol-3-acetato (IAA). Os investigadores descobriram que um nível elevado de IAA, desencadeado pelo estresse, impedia que as células-tronco intestinais do rato se tornassem células protetoras”, diz a médica endocrinologista.

Mas as observações feitas em ratos servem para humanos? Os investigadores reuniram evidências de que as suas descobertas podem ser verdadeiras para os seres humanos: a equipe encontrou níveis elevados de bactérias Lactobacillus e IAA nas fezes de pessoas com depressão, em comparação com pessoas sem depressão. “Quando sofremos de estresse, nosso microbioma intestinal também sofre de estresse”, diz a médica endocrinologista.

Pelo menos para os ratos, os autores também encontraram um possível antídoto: um suplemento chamado α-cetoglutarato, que é tomado por alguns fisiculturistas, que deu início ao metabolismo das células-tronco deficientes nos intestinos. “No entanto, são necessários mais trabalhos para compreender os efeitos a longo prazo do suplemento e se ele reduz os sintomas de disfunção intestinal. Este estudo é uma nova peça no quebra-cabeça, mas ainda não sabemos quantas peças existem para elucidar completamente essa relação e entender como os medicamentos podem agir efetivamente”, diz a endocrinologista. “Entendemos que há uma comunicação entre o cérebro e o intestino e essa deve ocorrer de forma adequada. A dieta, o equilíbrio da microbiota intestinal, a prática moderada de atividade física, boa qualidade de sono e um controle adequado do estresse são recomendados para aliviar os sintomas”, comenta a médica endocrinologista.

E a dieta? Além do estresse, hábitos alimentares com o consumo exagerado de alimentos ultraprocessados e pró-inflamatórios são relacionados a um aumento nos surtos da síndrome intestinal. “Esses pacientes devem buscar uma dieta de baixo FODMAP. E, portanto, devem evitar alimentos ricos em FODMAPs, entre eles: xarope de milho, mel, maçã, pera, manga, aspargos, cereja, melancia, sucos de frutas, leite de vaca, leite de cabra, leite de ovelha, iogurte, nata, creme, queijo ricota e cottage, cebola, alho, alho-poró, trigo, cuscuz, farinha, massa, centeio, caqui, melancia, chicória, alcachofra, beterraba, aspargos, cenoura, quiabo, couve, lentilhas, grãos de bico, feijão, ervilha, soja, damasco, pêssego, ameixa, lichia, couve-flor e cogumelos”, destaca a médica nutróloga Dra. Marcella Garcez, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN). Os gatilhos são individuais, de forma que algumas pessoas têm mais ou menos tolerância a determinados alimentos.

Voltando à dieta, segundo a médica nutróloga, esses alimentos ricos em FODMAPs são carboidratos fermentáveis não digeridos pelo trato digestivo humano, entre os principais estão os oligossacarídeos, fruto-oligossacarídeos (FOS) e galacto-oligossacarídeos (GOS), dissacarídeos como a lactose e monossacarídeos como a frutose. No grupo dos polióis estão principalmente o sorbitol e o manitol. “A dieta de baixo FODMAP é prescrita temporariamente, até que os alimentos gatilhos sejam identificados, pois como o aporte de prebióticos da dieta é baixo, se for mantida por muito tempo pode levar a quadros de constipação e disbiose. Por ser uma dieta que oferece riscos, deve obrigatoriamente ter orientação profissional”, explica a Dra. Marcella Garcez. “Os tratamentos com probióticos suplementares específicos e individualizados também podem ajudar. Se os sintomas forem muito prevalentes, esse paciente deve procurar atendimento médico, para descartar outras patologias, identificar os gatilhos, reorganizar a dieta e o estilo de vida”, diz a médica nutróloga. As médicas reforçam que o paciente deve procurar um médico e seguir uma dieta equilibrada, variada e o mais natural possível, aliada à boa ingestão de água e estilo de vida saudável.

FONTES: Dra. Deborah Beranger: Endocrinologista, com pós-graduação em Endocrinologia e Metabologia pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (SCMRJ) e pós-graduação em Terapia Intensiva na Faculdade Redentor/AMIB. Com cursos de extensão em Obesidade, Transtornos Alimentares e Transgêneros pela Harvard Medical School, a médica tem MBAs de Saúde e Qualidade de Vida, de Marketing e Branding Médico e de Mindset, todos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), e curso de Obesidade e de imersão em Medicina Culinária pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Fez Fellowship pela European Association for the Study of Obesity, em Portugal; é speaker dos laboratórios Servier, Novo Nordisk, Novartis, Merck, AstraZeneca, Lilly e Boehringer. Instagram: @deborahberanger.
Dra. Marcella Garcez: Médica Nutróloga, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola de Medicina da PUCPR, Diretora da Associação Brasileira de Nutrologia e Docente do Curso Nacional de Nutrologia da ABRAN. A médica é Membro da Câmara Técnica de Nutrologia do CRMPR, Coordenadora da Liga Acadêmica de Nutrologia do Paraná e Pesquisadora em Suplementos Alimentares no Serviço de Nutrologia do Hospital do Servidor Público de São Paulo. Além disso, é membro da Sociedade Brasileira de Medicina Estética e da Sociedade Brasileira para o Estudo do Envelhecimento. Instagram: @dra.marcellagarcez.

 

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