A doença pode ser fatal se evoluir para embolia pulmonar. Sem qualquer sintoma, Renata Rafaldini descobriu, no dia em que ia operar a safena, que estava com trombose. “A cirurgiã vascular, ao fazer o ultrassom para começar a operar, notou que a veia estava entupida. Não senti nada. Como estávamos na época da pandemia, ela pediu para eu fazer um exame de COVID-19 e deu positivo. Estava totalmente assintomática”, relata Renata.
Há 10 anos, a trombose parecia ser uma doença muito distante, presente nos consultórios de cirurgiões vasculares, mas desconhecida do público em geral. Hoje, é raro não conhecer alguém que tenha passado pelo problema. A doença assombra pessoas que passam muito tempo sentadas, estão com sobrepeso, são sedentárias e fumantes, além dos viajantes de longas distâncias e os que são diagnosticados com COVID-19. Ela ocorre quando um coágulo sanguíneo se desenvolve no interior das veias das pernas devido à circulação inadequada, impedindo assim a passagem do sangue.
“A trombose geralmente se manifesta como um quadro de dor na perna, principalmente na panturrilha, associado a inchaço persistente, calor, sensibilidade e vermelhidão, o que vai levar quase sempre à procura de ajuda médica. Assim como o coração bombeia o sangue arterial para distribuir sangue oxigenado para o corpo, 90% da circulação das pernas é feita pelo músculo da panturrilha. Quando a bomba da panturrilha não funciona adequadamente, o sangue começa a se acumular nos membros, com maior chance de formar um coágulo”, destaca a Dra. Aline Lamaita, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular. “Em casos mais raros, o coágulo pode ainda se desprender da parede da veia e correr pela circulação até chegar ao pulmão, causando uma embolia pulmonar que pode resultar até mesmo em morte súbita”, destaca a médica.
Os números não mentem. Segundo dados do SUS (Sistema Único de Saúde), em 2012 o Brasil teve 21 mil casos de trombose venosa e 59 internações diárias; em 2022, esse número saltou para mais de 35 mil hospitalizações, com média de 98 hospitalizações por dia. Somente até outubro de 2023, a média de internações diárias era de 105. Essas pessoas buscaram atendimento médico, pois identificaram sintomas como dor na perna, principalmente na panturrilha, associada a inchaço persistente, calor, sensibilidade, vermelhidão, mudança de cor na região e dificuldade de locomoção.
“E a atenção com a doença deve ser redobrada por aqueles que possuem fatores individuais que agravam os riscos de trombose, como obesidade, tabagismo, uso de hormônios e pílulas anticoncepcionais, portadores de câncer, pessoas com maior predisposição a coagulação sanguínea, gestantes, idosos, deficientes físicos e portadores de varizes”, explica. “Caso você presencie esses sintomas, o mais importante é que você procure tratamento médico para evitar que a doença evolua para uma embolia pulmonar, que possui como sintomas dor no peito, tosse, cansaço e falta inesperada de respiração”, explica. “Geralmente, o tratamento da doença inclui o uso de medicamentos anticoagulantes que vão ajudar na redução da viscosidade do sangue e na dissolução do coágulo, impedindo assim que esse cresça e avance para outras regiões e também evitando a ocorrência de novos quadros de trombose”, afirma a cirurgiã vascular.
O que explica esse aumento de casos?
“Hoje consideramos o ficar sentado o nosso novo cigarro. O ser humano foi desenhado para estar em movimento e o imobilismo está relacionado a várias doenças, dentre elas a trombose. É importante manter um dia ativo, independente da prática de exercícios físicos. Praticar uma hora de exercícios por dia é bom, mas se você fica sentado todo o restante do tempo, isso continua sendo perigoso”, alerta a Dra. Aline Lamaita. O hábito diário de passar horas assistindo televisão também pode ser um problema. Um estudo de 2018 publicado no Journal of Thrombosis and Thrombolysis mostrou que, mesmo os indivíduos que praticam atividade física regularmente não devem ignorar os potenciais danos de comportamentos sedentários prolongados, como ver televisão, pois ele está associado ao surgimento de coágulos sanguíneos. “A justificativa é que permanecer longos períodos sentado pode diminuir o fluxo de sangue para as pernas e pés. O mais correto seria, em vez de ‘maratonar’ diariamente séries e filmes sem pausa, intercalar com alguma atividade que movimente as pernas”, destaca a Dra. Aline.
Para quem trabalha sentado e passa horas na mesma posição, a médica sugere: a cada hora de trabalho, levantar, andar por 5 minutos, movimentar as pernas, se espreguiçar; investir em uma meia elástica de compressão (consulte seu médico para saber o modelo ideal); e beber água, o que ajuda no funcionamento do organismo e na fluidez do sangue. “Deixe a água um pouco distante, o suficiente para te fazer levantar da cadeira para pegar, mas não esqueça de beber”, explica a Dra. Aline.
A médica explica que outro motivo é o vírus do COVID-19. “De forma geral, a incidência de trombose em pacientes de COVID-19 pode chegar a 16%, mas isso obviamente naqueles pacientes que são internados, que vão ter quadros mais graves. Mas a doença por si só pode estar relacionada com trombose, mesmo em pacientes assintomáticos. Eles podem ter como manifestação do COVID-19 só uma trombose venosa profunda, o que estamos vendo com frequência nos consultórios vasculares desde o começo da pandemia, então isso também aumentou e entrou na nossa listinha como um fator de risco para a trombose”, explica a Dra. Aline. Renata tratou a trombose com uso de anticoagulante por alguns dias, receitado pela médica. “E depois tive que tomar, remédio para a circulação e o uso da meia elástica por um bom tempo”, conta Renata.
Além do sedentarismo e do COVID-19, o cigarro também aumenta a chance de ter trombose, uma vez que a nicotina está ligada à diminuição da espessura dos vasos sanguíneos. “Além disso, o monóxido de carbono oferece um fator adicional de risco ao diminuir a concentração de oxigênio no sangue. Todo esse processo pode causar complicações para o normal funcionamento dos vasos, que ficam mais suscetíveis ao entupimento, podendo levar a processos de trombose principalmente quando há fatores de risco envolvidos”, afirma a médica.
Outro risco está associado ao uso de pílulas anticoncepcionais que, quando combinadas, podem aumentar a incidência de trombose de 3 a 5 vezes, dependendo do tipo de pílula e forma de administração. “Isso ocorre porque a quantidade de hormônios presentes nas pílulas anticoncepcionais é capaz de alterar a circulação, aumentando o risco de formação de coágulos nas veias profundas. Por isso, o uso desse método não é recomendado por mulheres que já possuem predisposição ao problema”, explica a médica. “Pílulas com altas doses de estrogênio também possuem maiores chances de provocar hipertensão arterial, principalmente em mulheres que fumam, têm mais de 35 anos ou já sofrem de hipertensão”, acrescenta. O ideal é sempre consultar um médico. “Apenas o ginecologista poderá realizar uma avaliação levando em conta fatores como histórico médico e familiar para então recomendar o método contraceptivo mais adequado para você, seja ele hormonal ou de barreira”, explica a Dra. Aline.
Riscos da trombose
Na trombose, o sangue se coagula, vira uma gelatina, interrompendo o fluxo sanguíneo e causando problemas de circulação no membro envolvido, e aumentando o risco de embolia pulmonar, pelo desprendimento do trombo, podendo levar à morte súbita. “Outra complicação frequente da trombose venosa, mas pouco falada, se chama síndrome pós-trombótica. Essa ocorre pelo déficit circulatório que ocorre no membro afetado, levando a alterações circulatórias graves, com edema, alteração de coloração da pele (dermatites) e até o aparecimento de feridas como a úlcera varicosa”, explica a médica.
Na maioria dos casos, a doença resolve-se com o tratamento. Porém, o problema pode retornar, principalmente em pessoas com predisposição à trombose. Dessa forma, é importante que sejam tomados cuidados voltados para a prevenção do problema. “Algumas medidas que visam melhorar a circulação podem ajudar na prevenção do quadro de trombose. O recomendado então é que você pare de fumar, consuma bastante água, adote uma alimentação balanceada, realize exercícios físicos regularmente e evite passar muito tempo na mesma posição, seja no horário de trabalho ou em longas viagens, levantando-se de hora em hora para se movimentar um pouco”, destaca a cirurgiã vascular. De acordo com a Dra. Aline, o uso de meias elásticas também pode ser indicado, já que essas meias comprimem os vasos sanguíneos, melhorando o retorno venoso e, consequentemente, prevenindo problemas vasculares como varizes e trombose. “Porém, o mais importante é que você consulte um cirurgião vascular regularmente, principalmente se você tiver predisposição ou agravantes individuais associados à doença. Apenas ele poderá acompanhar sua situação, realizar um diagnóstico correto e, se for o caso, indicar o melhor tratamento para você”, finaliza.
FONTE: Dra. Aline Lamaita, Cirurgiã vascular, Dra. Aline Lamaita é membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV). Membro da Sociedade Brasileira de Laser em Medicina e Cirurgia, do American College of Phlebology e do American College of Lifestyle Medicine, a médica é formada pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (2000) e hoje dedica a maior parte do seu tempo à Flebologia (estudo das veias). Curso de Lifestyle Medicine pela Universidade de Harvard (2018) e pós-graduação em Medicina Integrativa e Longevidade saudável. A médica possui título de especialista em Cirurgia Vascular pela Associação Médica Brasileira/Conselho Federal de Medicina. RQE 26557.
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