O economista, investidor e ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga replicou nesta terça-feira (12) artigo do empresário João Camargo publicado na Folha de S.Paulo há dez dias cujo título chamou tanta ou mais atenção do que o texto: “Ser rico não é pecado”.
Fraga usou a própria Folha para fazê-lo. Ele não foi o primeiro: o economista André Roncaglia, colunista do jornal, já havia criticado Camargo por, entre outros problemas, confundir em seu texto renda e riqueza.
Camargo, em sua investida contra a tentativa de cobrar imposto sobre o rendimento dos super-ricos em fundos exclusivos e offshores, projetos do Executivo ora em discussão no Congresso Nacional, cita experiências internacionais fracassadas nessa direção. Mas os exemplos elencados não são exatamente de tributação sobre renda.
Fraga já mata a charada no “lead”: “O autor [Camargo] confunde um imposto sobre a riqueza com um sobre a renda do capital. A diferença é importante, pois um imposto sobre a renda do capital depende de o capital ter gerado renda. Importa também a calibragem da alíquota de cada imposto.”
Em seu texto, Camargo tampouco parece se importar com o problema básico da política tributária brasileira – sua injustiça. O que talvez enseje outra discussão: a de se ser injusto, ou coonestar estado injusto de coisas, é pecado – fica para a próxima. Fraga vai novamente ao ponto: “(…) quando se leva em conta as outras formas de tributação, que espero em breve se consolidem em um IVA moderno, a carga tributária que incide sobre os mais pobres é maior do que a carga que incide sobre o 1% mais rico. Isso mesmo.”
Logo em seguida, Fraga retira certo elemento mitificador do debate ao dizer que a proposta do Executivo é mera tentativa de sanar “distorções do sistema”, não de dar um “salto para um sistema progressivo”.
Em seu artigo, Camargo concede que o “combate às desigualdades”, assim como a “recomposição das contas públicas” – que, a julgar pela construção da frase, têm para ele o mesmo valor –, “são desafios de suma importância”.
Desafios de suma importância, “mas que precisam ser vencidos sem rasgos de tirania, sem aumentar nossa já asfixiante carga tributária e, sobretudo, sem medidas que comprometam a capacidade do empreendedor de continuar investindo no futuro do país”.
Junto com as propostas de taxação dos fundos exclusivos e das offshores, Fraga aponta como “brecha tributária regressiva” os regimes especiais Simples e lucro presumido que permitem o pagamento de imposto desproporcionalmente baixo para alguns profissionais liberais. Trata-se aqui de taxação sobre a renda do trabalho.
“Sou da opinião de que, enquanto perdurarem esses tipos de brechas tributárias regressivas, qualquer proposta de ajuste fiscal vai carecer de autoridade moral para quem a propuser. Não é justo onerar os mais vulneráveis para beneficiar os mais ricos”, conclui.
Por fim, Fraga não vê a ameaça de fuga de capital dos mais ricos invocada por Camargo. “A meu ver, as alíquotas propostas pelo governo e uma eventual correção dos regimes especiais do IRPJ não levarão a uma relevante fuga de capitais do país. Tal comportamento depende de um conjunto mais amplo de variáveis que influenciam os padrões de risco e retorno na economia. Dentre elas destacaria a qualidade e previsibilidade das instituições do país —econômicas, políticas e outras—, que são a fonte mais relevante dos prêmios de risco que engordam as taxas de juros.”