Veja reportagem de Dado Abreu e ensaio fotográfico de Maurício Nahas. A reportagem foi publicada em fevereiro de 2020.
Sérgio Mamberti é um sujeito em extinção. Cortês, elegante, empático, de prosa leve. Nasceu em 1939, meses antes da máquina de morte nazista atacar a Polônia e dar início à maior catástrofe provocada pelo homem ao longo da história. O octogenário ator era apenas um garotinho brincando pelas ruas de Santos, litoral paulista, mas ainda guarda reminiscências da Segunda Guerra e dos tempos sombrios que, imaginava-se, não voltariam nunca mais.
“Estou certo de que retrocedemos. De uma hora para outra parece que voltamos no tempo. Sinto uma enorme tristeza com o que está acontecendo no Brasil e no mundo com tanto discurso de ódio, imposição de ideologias, censura”, lamenta Mamberti. “Trump, Bolsonaro, o florescimento de partidos extremistas de direita na Europa, os conflitos no Oriente Médio. Só me lembro de um período tão ameaçador na época da guerra.”
Com as lembranças do passado, Sérgio Mamberti está em cartaz com o espetáculo O Ovo de Ouro, do ator e dramaturgo Luccas Papp, que narra o conflito dos sonderkommandos (ou comandos especiais), judeus que eram obrigados a auxiliar na aniquilação de seu próprio povo e, ao mesmo tempo, a ter que conviver com o medo da morte. Contada em diferentes episódios e tempos, a trama revela a vida de um desses sonderkommandos que sobreviveu ao campo de concentração. No tempo presente do espetáculo, ele é entrevistado por um jornalista rememorando os fatos aterrorizantes do passado.
“Em períodos de extremismo é necessário recordar as atrocidades do Holocausto para que a história não se repita”, ressalta Mamberti, antes de citar o escritor colombiano Gabriel García Márquez: “É fácil esquecer para quem tem memória; difícil esquecer para quem tem coração”.
Sentindo-se com 15 anos, como gosta de dizer, Mamberti está carregado de projetos para um ano de comemorações. Além de viajar o país com O Ovo de Ouro, planeja um monólogo baseado na obra de García Lorca, tem convite para outras peças, está publicando um livro em parceria com o jornalista Dirceu Alves Jr. e será tema de um documentário de Evaldo Mocarzel.
“Também sigo na militância em defesa das liberdades e dos direitos adquiridos. Essa energia que me move com 80 anos está presente e não veste pijama”, diz ele, que trabalhou durante 12 anos no ministério da Cultura em diversos cargos, entre eles o de presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes). “A cultura é muitas vezes interpretada como algo supérfluo, como se fossem as belas artes cheias de capricho. Vejo o horizonte da cultura como civilizador e de transformação, porque não há transformação que não seja através da cultura.” E continua: “Estou triste com o momento, mas acredito no legado.Quando você vê um Paulo Freire sendo demonizado, um Milton Santos, a Fernanda Montenegro desrespeitada, Ariano Suassuna, Chico Buarque, Zé Celso Martinez Corrêa, Plínio Marcos e tantos outros… É preciso acreditar nesse legado, só posso pensar assim.”
A humildade não lhe permitiria, mas acrescentemos ao nobre rol o nome de Sérgio Duarte Mamberti.