Revista Poder

Tabata: “Estamos claramente falhando no acesso à educação durante a pandemia”

Militante pela escola, deputada federal que irá deixar o PDT vê aprovação do Fundeb como “maior vitória” e ministério da Educação como “bastião ideológico”

Tabata Amaral || Crédito: Câmara dos Deputados

Sonhando com “a melhor escola pública do mundo” no Brasil, a deputada Tabata Amaral (PDT-SP) aprendeu na marra que a política se faz, pode-se dizer, no muque.

Ela entrou na Câmara com apenas 25 anos, e mal começou seu mandato, brigou com os caciques de seu partido ao votar a favor da reforma previdenciária, contrariando a orientação do PDT. Ciro Gomes usou sua habitual artilharia para diminuí-la, e, desconfortável, a deputada foi ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pleitear sua desfiliação do partido.

A questão era tentar preservar o mandato, risco que ela corria caso o TSE visse na ação infidelidade partidária. Não viu.

“A decisão [do TSE] deixa claro que não há justificativa eleitoral para que lideranças partidárias usem da violência e do machismo que utilizaram contra mim”, disse em entrevista a PODER Online.

Ainda sem uma nova sigla à vista, já anuncia que vai disputar a reeleição em projeto “antibolsonarista”.

 

PODER Online – Recentemente, o TSE autorizou sua saída do PDT sem perda de mandato. Como recebeu a notícia?

Tabata Amaral –
Aguardei a decisão da Justiça por quase dois anos. Vi como um reconhecimento de que é possível fazer política prezando minhas convicções, sem jamais vendê-las. A decisão deixa claro que não há justificativa eleitoral para que lideranças partidárias usem da violência e do machismo que utilizaram contra mim.

PODER Online –
Quais os próximos passos? Na nova sigla, a educação vai seguir sua principal bandeira?

TA –
Estou conversando com vários partidos, então não consigo dizer para qual vou ainda.  Para mim é extremamente importante, inegociável, estar em um projeto antiBolsonaro e buscar um alinhamento às minhas pautas principais, que são a educação, as mulheres e o combate à desigualdade. A educação não é uma pauta de mandato: é um propósito de vida. Trabalho com educação desde os 15 anos e espero continuar nessa luta. Meu sonho é que um dia tenhamos a melhor escola pública do mundo.

PODER Online
– Ser mulher e jovem atrapalha na Câmara?

TA – Eu brinco que incomodo muita gente. Porque represento algo diferente. Por ser jovem, mulher e apontar um caminho diferente dentro do campo progressista. Não me fecho em cartilhas e me recuso a compactuar com algumas práticas que ainda imperam na política. Ser mulher e ser jovem são marcas diárias. Começa quando sou barrada praticamente todos os dias na entrada da Câmara e continua com ameaças, ataques, comentários que tentam me silenciar e me fazer desistir. A resposta que dou a isso é continuar trabalhando junto à bancada feminina para juntas elegermos cada vez mais mulheres – e o Congresso tenha cada vez mais a cara do Brasil.

PODER Online
– Como você vê a volta das aulas presenciais?

TA –
Elas precisam ser acompanhadas de uma reestruturação de muitas escolas, de protocolos sanitários e de uma aceleração da vacinação. Há um estudo que mostra que  55% dos alunos que residem em favelas não puderam estudar no último ano. Muitos deles por falta de acesso à internet. Por trás disso, temos um ministério da Educação ausente, inoperante, omisso. Em nenhum momento o órgão entendeu seu papel de coordenar esses esforços, de apoiar as redes mais vulneráveis. O Congresso, principalmente a bancada da Educação, trabalha para preencher esse vácuo. Como não contamos com o apoio do governo federal, tudo é mais demorado. Na aprovação do Projeto de Lei da Conectividade, levou-se mais de um ano para a aprovação de meu relatório, para derrubar o veto do presidente Bolsonaro. Milhões de alunos de baixa renda e professores terão acesso à conectividade a partir do próximo mês.

PODER Online –
Segundo o site da Câmara, você apresentou 137 propostas legislativas em dois anos e meio de mandato. Quais foram suas principais conquistas?

TA – Enquanto ativista pela educação, acredito que a aprovação do novo Fundeb foi a maior vitória. O fundo agora é política de Estado, foi para nossa Constituição, é maior e mais redistributivo. O fundo conta com uma emenda minha, que pela primeira vez vai olhar para a qualidade. E é a primeira vez que o Fundeb tem recursos adicionais para incentivar que prefeitos e governadores adotem boas práticas, que de fato invistam em educação e reduzam a desigualdade social e racial dentro das escolas.

Há também os projetos que preveem a distribuição de absorventes em escolas, postos de saúde e presídios. Quando apresentei o projeto, fui recebida com ódio, chacota. Mas o debate está em outro lugar agora. Saber que os estados de São Paulo, Maranhão e Rio Janeiro têm políticas consistentes no combate da pobreza menstrual, e que isso está acontecendo em vários municípios Brasil afora, me enche de esperança.

PODER Online
Está em tramitação na Câmara um projeto para permitir o homeschooling no país. Qual o impacto disso caso seja aprovado?

TA – Não consigo encarar a discussão como prioritária neste momento. É algo que impacta menos de 1% dos alunos. Estamos em um momento em que vemos perdas altíssimas de aprendizagem, abandono escolar, em que alunos sem conectividade estão há mais de um ano sem estudar. Isso só demostra o quanto o governo atual vê o ministério da Educação como um bastião ideológico e nada mais.  Não me oponho que essa discussão ocorra lá na frente. Mas não temos condições de destinar recursos, pessoal e tempo para o acompanhamento dessas crianças agora. Estamos claramente falhando no que diz respeito à garantia do acesso à educação durante a pandemia.

PODER Onlin
e – Tem acompanhado a CPI da Covid no Senado? Que análise faz dos trabalhos até agora?

TA – Independentemente do que aconteça, a CPI, no meu entendimento, se justifica por si só. Quando falamos, por exemplo, sobre a possibilidade de um impeachment, é importante entendê-la como um processo político. Para isso, é importante que haja um convencimento da população. Ao dar visibilidade ao negacionismo, às ações do Bolsonaro que, ao meu ver, são criminosas, a CPI possibilita que a população entenda que elas custaram vidas. Infelizmente, não vejo perspectivas de que algo parecido aconteça na Câmara. Mas, tanto a Câmara quanto o Senado são extremamente sensíveis ao sentimento das ruas, então tudo depende desse convencimento da população.

PODER Online –
 Você faz planos de longo prazo? Onde quer estar em cinco ou dez anos?

TA – O sonho de que um dia o Brasil tenha a melhor escola pública do mundo é o que me move. Talvez por meu sonho não ser um cargo específico, não consigo dizer onde vou estar nos próximos cinco ou dez anos. No próximo ano disputo a reeleição e espero poder continuar cada vez com mais força meu trabalho pela educação, pelas mulheres e pelo combate à desigualdade.

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